Direção: Daniel Filho
Gênero: Drama/ biografia
Elenco: Nelson Xavier, Angelo Antonio, Matheus Costa, Pierre Baitelli, Christiane Torloni, Tony Ramos, Cadu Favero, Paulo Goulart, Pablo Sanábio, Gláucia Rodrigues, Cassio Gabus Mendes, Guilherme Fontes, Giovanna Antonelli
Compositor: Egberto Gismonti
Roteirista: Marcos Bernstein
Duração: 105 min.
Sinopse: Desde criança, Chico Xavier (Matheus Costa) ouvia vozes e via pessoas que já tinham falecido. Seus relatos eram sempre desacreditados, sob a justificativa que eram sua imaginação ou obra do demônio. Ao crescer, ele (Angelo Antônio) passa a usar seu dom para psicografar cartas. Logo se torna um ícone em sua cidade natal, despertando a ira do novo padre (Cássio Gabus Mendes) e acusações de ser uma fraude, já que publica livros de pessoas famosas que já tinham morrido.
Já envelhecido, Chico (Nélson Xavier) participa do programa de TV "Pinga-Fogo", onde fala sobre sua trajetória de vida e questões do espiritismo. Através dele conhece Orlando (Tony Ramos), diretor de imagem do programa, que é ateu. Ele e sua esposa Glória (Christiane Torloni) sofrem devido a perda do filho, Tomás, morto quando ele e um amigo brincavam com uma arma encontrada. Agora o casal precisa decidir se irá agir no processo que pode condenar o responsável pela morte de Tomás.
Os fios da história são puxados a partir da entrevista que Chico Xavier concedeu ao programa "Pinga Fogo" da extinta Rede Tupi. Na entrevista, com a ajuda de Emannuel, seu guia espiritual, Chico fez milhares de pessoas perceberem que existia algo mais além da vida que viam. Essa entrevista foi considerada um divisor de águas na Doutrina Espírita pois a partir dela, o Espiritismo passou a ter uma maior aceitação no país.
A reconstrução dessa entrevista é a coluna vertebral que conduzirá o filme com idas e vindas no tempo, ilustrando a biografia do ícone.
De um lado a linha histórica de sua vida e, do outro, o programa Pinga Fogo desenrolando-se e revelando a ligação que Orlando (personagem interpretado por Toni Ramos) tem com Chico Xavier. Aprofundando mais um pouco, Orlando, diretor do Pinga Fogo, sofre uma evolução psíquica ao longo da obra muito bem desenvolvida, concretizando, por fim, um dos principais objetivos, ou seja, mostrar o papel importante que Chico Xavier teve com seu trabalho espiritual dentro das famílias entre as quais teve contato.
Durante a fala de Chico, flashbacks mostram sua história sofrida:a complicada infância do protagonista, trabalhando desde criança, perdendo as pessoas que mais amava e sendo expulso de casa pela própria família. Passa pela descoberta e aceitação de seu dom na pré-adolescência e a partir daí se torna um caminho de luta e doação em prol do espiritismo, dos carentes e dos desolados pela perda de um ente querido.
Esse vai e vem no tempo passa por três fases distintas de sua vida: infância (interpretada pelo ator Matheus Costa), início da vida adulta (Ângelo Antônio) e maturidade (Nelson Xavier).
De formação católica, o pobre Francisco sabia desde cedo qual seria sua missão: trabalhar para dar alívio aos necessitados e trazer conforto espiritual para quem nem acredita que a vida continua após a morte do corpo. Missão difícil se pensar que isso ocorreu há décadas atrás, pois até hoje é um tema que apesar de bastante divulgado pelos meios de comunicação, ainda está um pouco envolto em preconceitos.
Mesmo assim, o nobre médium continuou seu trabalho de caridade e fez um novo começo para ter um novo fim, como ele mesmo afirmou. O filme retrata bem a história de Chico e seu incansável trabalho de auxilio espiritual e dedicação à tarefa de escrever mais de 300 livros ditados pelo mundo espiritual.
Descrevendo dessa maneira, até poderíamos cair em uma narrativa entendiante, porém, espaços de humor não faltam durante o filme, principalmente nas cenas em que está presente o espírito Emmanuel (muito bem interpretado por André Dias), guia espiritual de Chico. A cena ápice de humor, sem dúvida é aquela em que Chico está em um avião, cujo os motores entram em pane e ele começa a gritar pedindo a "misericórdia de Deus" enquanto "Emannuel" aparece e diz para Xavier morrer com educação!
O roteiro de Marcos Bernstein, baseado na obra “As Vidas de Chico Xavier” do jornalista Marcel Souto Maior é formidável, como já afirmado antes, não poderia ser diferente, visto o homem que retrata. A partir deste roteiro, a direção de Daniel Filho (Se Eu Fosse Você 1 e 2) é eficiente na medida que transita entre as fases do personagem e entre a linha do tempo, realizando cortes e introduções de cenas suaves que não distoam com a delicadeza do filme.
As atuações, destacando a de Nelson Xavier que interpreta o protagonista na última fase de sua vida, são louváveis, podendo-se perceber que foram trabalhadas cuidadosamente pela direção da película.
A filmagem e fotografia se apresentam nesta obra como uma tecnologia avançada ainda não vista no cinema brasileiro. Além das cultuadas câmeras digitais RED, que têm uma resolução muito maior do que as digitais normalmente utilizadas, o filme utilizou câmeras réplicas da original RCA TK60, dando um tom, ao mesmo tempo antigo em certas tomadas e moderno em outras. A qualidade da fotografia surpreendeu, bem como da focalização e movimento das câmeras, que fugiram do padrão telenovela global.
Chico se mostra no longa como um homem integro, jamais querendo receber por seu auxílio. O filme chega a emocionar, além de retratar marcos na história brasileira quando o tribunal absolveu um réu de assassinato baseado em uma carta psicografada pelo espírito do jovem que morreu se tornando o 1º caso na jurisdição brasileira em que um espírito inocentou seu pressuposto assassino.
Enfim, o filme superou vários clichês do cinema brasileiro e deu a este um viés mais moderno de cinematografia.
Presenteando o público com uma bela interpretação da vida de Chico Xavier, o filme perfaz os três níveis do cinema com astúcia: o entretenimento, a arte e o mercado financeiro, liderando bilheterias. Conquistou a todos os espectadores, crentes e não crentes na doutrina que prega, pois exaltou a extraordinária vida desse brasileiro, dono de uma alma bondosa, que disciplinou sua vida em favor daqueles que sofrem em função da morte.
Para quem tinha alguma dúvida ao término do filme, este não falha e apresenta os créditos juntamente com as cenas reais da entrevista que Chico realizou para o Pinga Fogo, mostrando o homem humilde e, ao mesmo tempo, louvável que era